A História da Psicologia: resenha do capítulo "O múltiplo surgimento da Psicologia"
Arthur Arruda Leal Ferreira, autor do capítulo “O
múltiplo surgimento da Psicologia”, do livro “A História da Psicologia: Rumos e
Percursos ressalta as transformações que o homem sofreu ao longo da história
para chegar ao objeto de estudo da psicologia. O autor propõe duas maneiras de
se analisar o surgimento da psicologia: de forma internalista, analisando as
variações conceituais, intelectuais e metodológicas e de forma externalista,
compreendendo as transformações culturais, sociais, econômicas e políticas.
Para isso utiliza-se das ideias de Michel Foucault
(1971) que será seu guia histórico e filosófico.
Durante todo o texto, Ferreira busca analisar a
questão da subjetividade, do seu nascimento com o pensamento religioso, a
constituição da individualidade até a
sua interiorização na modernidade. Salienta a distinção do corpo e da mente na
Antiguidade e compara com as ideias de Renè Descartes com as de Aristóteles.
Aborda também a constituição da infância como uma
etapa da vida e a descoberta da loucura como doença mental. Contempla o
surgimento das ciências humanas e o processo de ruptura com as ciências
naturais e como a filosofia contribui para o nascimento da psicologia. Finalmente mapeia as diferentes psicologias do século
XIX e como se dá o surgimento no Brasil.
O autor inicia o texto articulando sobre a
constituição da subjetividade e explica que a interioridade reflexiva é a
reflexão sobre a vivência individual, ou seja, os pensamentos, emoções,
escolhas etc levarão a noção de identidade do “eu”, e contrapõe a falta dessa
busca de cuidado com si na Antiguidade. Naquela época não havia ainda um
pensamento individualista pois não existia uma busca pelo conhecimento de si
mesmo. O homem buscava ser belo como os deuses e a ideia de alma era coletiva,
universal.
A partir dos pensamentos filosóficos de Platão
(427-347 a.C) e Aristóteles (384-322 a.C) é que se inicia a ideia de alma
(individual) e sua relação com o corpo. Platão
concebia a alma (imortal) separada do corpo enquanto para Aristóteles uma não
poderia ser dissociada da outra, sendo a alma mortal. Para ele, a psiquè seria o princípio ativo da vida.
Somente a partir do Cristianismo ( II d. C) é que a
ideia de interioridade individualizada começa a surgir. O homem santo,
destacado na comunidade, buscava a salvação tentando encontrar Deus dentro de
si. Durante toda a Idade Média o Cristianismo dominou e monopolizou a política,
a economia e o saber. A criação dos Estados modernos e a organização das
cidades no final da Idade Média fizeram com que houvesse uma separação dos
planos público e privado, gerando desta forma uma valorização da interioridade.
Paralela à constituição do Estados, surge o
questionamento filosófico sobre a relação do poder central e as liberdades
individuais. O Romantismo e o Iluminismo surgirão como forma de expressão
dessas ideias através dos clubes masculinos, pubs, poesias, literatura
libertina e sociedades secretas na Inglaterra e na França. Para Peter Berger
(1985), a distinção entre domínios públicos e privados serviria como condição
fundamental para o surgimento dos saberes psicológicos.
O século XVI é marcado pelas transformações no
movimento filosófico, político, social, econômico e cultural. O homem que é a
base das negociações e fonte do poder é visto como um sujeito autônomo,
singular e dotado de uma interioridade.
Se num momento havia a distinção entre o bem e o mal
como forma de criar uma interioridade no homem cristão, no século XVII o homem
busca a fuga das ilusões e um acesso à verdade . A questão do conhecimento se
impõe no cenário de transição entre a Idade Média para o Renascimento. O Renascimento
transforma a vida das comunidades pois o mercantilismo leva à descoberta de novas
terras e isso propicia acúmulo de riquezas pelas grandes nações europeias. Com
o declínio da vida feudal, o surgimento do capitalismo e da imprensa, a busca
pelo conhecimento é constante e o homem passa a ser valorizado como indivíduo.
O homem passa a ser pensado como centro do mundo.
Neste período, René Descartes (1596-1650) postula a
separação da mente (alma) e do corpo e torna possível o estudo do corpo humano.
Usando sua própria subjetividade ao afirmar “Penso, logo existo” mostra que a
ideia de representação do mundo é algo interno ao indivíduo ( experiência
subjetiva), sendo a verdade algo interno ao homem. Sua visão racionalista, com
ideias absolutamente claras e distintas serviriam de base para a filosofia e as
ciências. Descartes é considerado o inaugurador da modernidade pois marca o fim
de um conjunto de crenças que fundamentavam o conhecimento. O racionalismo de Descartes e o empirismo de Francis
Bacon (1561-1626) marcam o início dos estudos de métodos científicos e
filosóficos. A partir daí, muitos filósofos questionarão o alcance da verdade
absoluta e a onipotência do “eu” como indivíduo.
As condições para o desenvolvimento de métodos
científicos estavam dadas. A ciência avança com a teoria evolucionista de
Charles Darwin (1809-1882) e o cruzamento das ciências empíricas do homem com
as filosofias antropológicas corrobora para o nascimento das ciências humanas
como a Psicologia.
A chave para essa mudança foi a postulação de
Imannuel Kant (1724- 1804) quando formulou a relação do sujeito transcendental
(nossa razão) com o mundo sensível (nossa experiência). A partir das ideias de Kant
é que Wilhelm Wundt (1832-1920) pôde propor a psicologia como ciência. Através
da análise imediata das experiências humanas (condições fisiológicas do
organismo) e dos fenômenos culturais (linguagem, religião, etc). Misturando a
ciência natural e as ciências sociais, Wundt compara e investiga os processos
de síntese em seu laboratório em Leipzig na Alemanha.
Neste momento o autor questiona sobre como seria
possível criar uma ciência que une o sujeito transcendental (natural) e o
sujeito empírico (impreciso). Haveriam aí duas possibilidades de estabelecer um
conceito para a experiência imediata: partindo do que foi vivido para a criação
de teorias que poderiam fugir do que é cientificamente estabelecido como a
Gestalt, a psicanálise e a teoria de Piaget ou partindo do científico para
abordagem da experiência como o
Behaviorismo.
Durante todo o século XIX, a psicologia deverá lutar
para ser concebida como ciência, buscando objetividade, embasamento matemático
e um elemento básico de investigação. Todas essas noções irão esclarecer nossa
relação entre corpo e mente, patologia e normalidade, infância e idade adulta,
domínio público e privado.
Na Europa, Philippe Pinel (1745-1826) revoluciona o
tratamento da loucura, que deixa de ser entendido como um problema dos nervos e
trata como um desvio da natureza humana tornando o asilo um local de tratamento
para os doentes mentais. Jean-Martin Charcot (1825-1893) estuda a histeria como
doença neurológica em torno na psiquiatria e neurologia.
Somente no século XX é que surgiria a Psicologia no
Brasil. De forma tardia a psicanálise se estabeleceria na passagem da família
patriarcal para a família moderna, segundo Sérvulo Figueira (1991).
De forma geral, Ferreira contribui de forma bastante
completa e complexa para apresentar o múltiplo surgimento da psicologia no
mundo. Suas referências de variados autores mostra sua
preocupação em evidenciar as constatações acerca de todos os assuntos
abordados, porém em certos momentos utiliza de uma linguagem rebuscada de
difícil compreensão.
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